quarta-feira, 20 de junho de 2012

Linguagens e Estrangeirismos

Uma língua estrangeira se mistura gradativamente ao modo de pensar, agir e falar contemporâneo. Em vez de fonemas, ela se utiliza de gestos e imagens: é a linguagem digital, com janelas, barras de deslocamento e duplos-cliques. Ela não tem origem em um só lugar ou cultura, muda e cresce rápido transformando a relação que se tinha com as máquinas e equipamentos - e, através deles, com as pessoas.
Até a Revolução Industrial as ferramentas eram simples. Por mais que fossem necessárias habilidades para manejar bem um pincel ou formão, seu funcionamento era evidente. Com a evolução tecnológica, compreendê-la ficou difícil: as engrenagens do relógio e os pistões do motor já não se relacionavam com o resultado final de sua interação, o todo se diferenciava da soma das partes. Depois disso as expressões até então inéditas, como campainhas, buzinas, arrancadas e freadas bruscas, foram incorporadas ao vocabulário.
O chip eletrônico virtualizou de vez as ferramentas. Enormes conjuntos de micro-disjuntores elétricos, os computadores, ao contrário das polias e roldanas, são máquinas enigmáticas, e silenciosas. Intangíveis, teraflops e gigahertz não têm cor, forma ou cheiro e não são percebidos a olho nu. Eles realizam funções diversas e diferentes de seus componentes originais.  A única forma de entendê-los é através de uma estrutura simbólica complexa, uma linguagem que, dividida entre vários dialetos, é traduzida em telefones ocupados, programas que dão pau, vestimentas de avatares e tantas outras interfaces.
Com a internet, essa língua ganhou novas flexões e interações, tornando-se tão complexa e intercambiável que causa espanto lembrar que ela um dia foi inventada. Com ela, sutilezas inéditas ganham um tom coloquial. Mensagens de texto gritam quando MAIÚSCULAS, parênteses indicam expressões e ironias e até a natureza do conteúdo compartilhado passam a indicar origem e status.
No início a língua digital, tomou emprestadas várias expressões do mundo físico. Como os limites e restrições ficaram invisíveis, se criou analogias visuais (como a lata de lixo) e outras metáforas para informar aos operadores onde estavam e o que precisava ser feito. Depois a língua digital invadiu o mundo físico. Eletrodomésticos, televisores e câmaras fotográficas passaram a ter painéis de controle, animações e ícones que, compartilhados e utilizados em outras interações, criam novos vocábulos. Antes chacoalhar um celular ou deslizar o dedo sobre um vidro não faziam sentido. Hoje são termos corriqueiros.
A inclusão digital precisa ser encarada como alfabetização, não como técnica. Ela é uma forma híbrida de comunicação que, como o Português ou o Inglês, começou como um dialeto e se misturou com o tempo à língua que lhe deu origem, criando um ambiente novo e dinâmico, às vezes incompreensível aos estrangeiros. Por enquanto sua interpretação é simples, mas com a evolução, logo se tornará intraduzível.
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital

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