sexta-feira, 27 de abril de 2012

O MENSALAO LEGALIZOU O CASO CACHOEIRA

      Carlinhos Cachoeira foi vítima de um mal entendido. O “empresário da contravenção” (como foi apresentado na Voz do Brasil) foi às compras em Brasília e, ao que se saiba, pagou tudo certinho. Ninguém se sentiu lesado por ele, não se ouviu uma só reclamação de calote. É legítimo concluir, que as belas cifras entoadas nas escutas telefônicas tenham chegado direitinho aos destinatários. Por que, então, perseguir esse homem?
      Antigamente, comprar deputados e senadores era ilegal. Mas os tempos mudaram, e só o advogado de Cachoeira não viu. Márcio Thomaz Bastos, o ex ministro da Justiça, insiste em pedir habeas corpus para o cliente, preso no Rio Grande do Norte, alegando que ele não tem antecedentes criminais. Perda de Tempo. Assim como o ex ministro pode ser muito bem pago com o dinheiro sujo do bicheiro, Demóstenes Torres e companhia podem privatizar seus mandatos ä vontade para servir ao “empresário da contravenção”.
      Esse caminho foi aberto justamente pelo governo ao qual Thomaz Bastos serviu. Comparado ao esquema das mesadas aos deputados, que ficou conhecido como mensal ao, a engrenagem de Cachoeira é brinquedo de criança. A boa notícia ao mercado de compra e venda de parlamentares é que, sete anos depois do mensal ao, ninguém foi punido.
      Por que o ex-ético Demóstenes e seu patrocinador caca níqueis vão se constranger, tantos mensaleiros a solta, na capital e lhes dando bom dia de cara limpa? Acusado de chefiar a quadrilha, José Dirceu manda e desmanda no governo da companheira Dilma Rousseff – que o prestigia sempre em eventos do partido. Diante disso, que mal haverá em acolher no gabinete um bicheiro de estimação?
      Num erro imperdoável aos grandes advogados, os defensores de Cachoeira e Demóstenes não atentaram ä jurisprudência: comprar parlamentares, desde que por uma causa popular e progressista, é legítimo. E não vale a ressalva de que o mensal ao será um dia, quem sabe, julgado. O processo do mais grave escândalo da história da República foi travado politicamente na Justiça brasileira, atravessando três eleições (indo agora para a quarta), o que garantiu a sobrevivência de seus protagonistas e do projeto de poder do PT. Na prática, a absolvição já se deu. O crime compensou.
      O que o senador e o bicheiro fará para provar que sua causa também é popular e progressista é problema deles. Mas não será difícil. A conexão Dirceu-Delúbio-Valério, com o apoio dos bancos BMG e Rural, criou um duto das empresas estatais para os cofres partidários. Se isso não tirou o status progressista do governo popular, até a jogatina pode ser de esquerda. Aí só será preciso certa criatividade por parte do contraventor e de seu representante no Congresso: um projeto de lei criando o Bolsa-Bingo, outro instituindo cotas para mulheres nas fábricas de caça-níqueis e, mais importante de tudo, uma choradinha em público, que no Brasil não tem erro.
      Os éticos, ou pelo menos os ex-éticos não haverão de admitir a coordenação do senador e do bicheiro por um crime que o mensal ao revogou. Desde 2005, a posição da corte suprema foi clara sobre isso: dos discursos inflamados de Nelson Jobim, então ministro do Supremo Tribunal Federal, em defesa de José Dirceu, ao pronunciamento em dezembro último do revisor do processo, Ricardo Lewandowski, sobre a possibilidade de parte dos réus nem sequer ser julgada: “Não há dúvida nenhuma de que poderá ocorrer a prescrição (dos crimes)”.
      Após sete anos e as vésperas de mais uma eleição e da extinção dos processos, o revisor do caso informa sobre a perspectiva de julgamento do mensal ao: “Não tenho uma previsão clara”. Tradução: a anistia aos parlamentares comprados (ou alugados) e seus contratantes vai muito bem, obrigado. A diferença para o caso Cachoeira é que o contratante é “empresário da contravenção”, enquanto no mensal ao os contratantes eram, por assim dizer, “servidores públicos da contravenção” Os contratados não ligariam para essa diferença.
      O Brasil tem duas opções ou ser manca e sai às ruas contra o arquivamento do mensal ao ou aceita de uma vez por todas ser governado pelos companheiros da contravenção.

      Fonte: Guilherme Fiúza – jornalista da revista Época

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