sábado, 13 de agosto de 2011

Rumo ao Primeiro Mundo

                    Quem já lidou com um vazamento sabe, água é terrível. Ela entra por todos os cantos onde a gravidade permite.
Algo parecido acontece na economia mundial com o dólar. E o Brasil é a fresta perfeita para absorver essa enxurrada.
O mundo rico pratica hoje taxas de juro próximas de zero ou negativas. Os EUA já inundaram o mercado com mais de US$ 2,3 trilhões (o equivalente ao PIB do Brasil) para baratear o crédito e estimular o consumo. À beira de uma recessão, devem repetir a estratégia.
Parte desses dólares se desloca para o Brasil. A força da gravidade aqui é imensa: as maiores taxas de juro do mundo levam bancos e empresas a trazer os dólares, onde eles rendem como em nenhum outro lugar.
O roteiro da crise de 2008 deve se repetir agora.
Num primeiro momento, a Bovespa cai e o dólar sobe. São investidores tirando dólares do Brasil para cobrir posições em outros mercados, que desabam.
Mais à frente, assim como ocorreu há três anos, as coisas se acalmam em um outro patamar. E recomeça o fluxo de moeda estrangeira atrás da gorda Selic brasileira.
Por mais que se evite, esse esquema levará o Brasil a um endividamento futuro em dólares. Seja pela entrada de moeda ou pela compra de importados irresistivelmente baratos.
É difícil manter bancos e empresas operando no Brasil afastados dessa fonte de dinheiro: eles captam a quase zero lá fora e emprestam aqui a consumidores cobrando mais de 40% ao ano.
Na semana passada, a presidente Dilma explicitou sua angústia: "O excesso de liquidez imposto pelos países ricos em direção aos emergentes resulta em opressivo desequilíbrio cambial".
Dilma tem o diagnóstico certo. Mas nem como principal ministra de Lula ou presidente conseguiu encontrar a solução.
O Brasil carece hoje de projetos de infraestrutura (públicos, público-privados ou privados) que, se bem montados, poderiam absorver e ser financiados por essa enxurrada de dólares.
Para isso, teria de oferecer viabilidade, rentabilidade e segurança jurídica a investidores carentes de oportunidades no mundo rico.
Por preconceito, Lula pouco fez na área de concessões. Além de ter sucateado e politizado as agências reguladoras, fundamentais nesse processo.
Dilma só acordou agora. Ao constatar que os aeroportos não aguentam mais, passou a admitir 100% de investimentos privados, sem a participação da Infraero. É sintomático que o trem-bala Rio-SP sequer tenha um projeto básico pronto para atrair investidores.
A situação da economia global sugere que a atual chuva de dólares continuará por muito tempo.
Já que vamos nos endividar, parte da enxurrada poderia ser aproveitada para financiar coisas permanentes, como estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas.
O mais provável é que essa história termine como no Primeiro Mundo: com consumidores encharcados em dívidas, donos de carros e geladeiras obsoletos em poucos anos.
Fernando Canzian reporter da Folha.e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha.

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