quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Saudades de Amorim

Talvez seja mais a intensidade do que o conteúdo. A ambição do que a correção.
Depois de nove meses de Antonio Patriota no comando do Itamaraty, já sinto, dizer, saudades dos intermináveis oito anos de Celso Amorim no posto.
A política externa lulista errou em muita coisa, mas acertou na ambição e na intensidade. O começo da grande crise do Hemisfério Norte criou o palco ideal para o Brasil soltar a voz. E o Brasil falou.
São um marco da política externa as declarações de Lula ao receber o premiê britânico, Gordon Brown, em março de 2009: "A crise não foi causada por nenhum negro, por nenhum índio ou pobre. É uma crise causada, por comportamentos de gente branca, de olhos azuis, que antes da crise pareciam que sabiam tudo e que agora demonstram não saber nada".
Brown é branco, tem olhos azuis e foi pego totalmente de surpresa pelo anfitrião que o recebia em Brasília. Apesar de indelicada e racista, a frase de Lula, clássica do lulismo, causou furor na imprensa mundial e ajudou a projetar o novo Brasil que se forma, nunca mais submisso aos poderes centrais.
A doutrina Lula de afirmação da independência brasileira e de alinhamento automático com o Sul causou equívocos embaraçosos, para dizer o mínimo, como o apoio incondicional e ingênuo ao Irã, as intervenções em eleições sul-americanas, o apoio na ONU a países violadores dos direitos humanos, as derrotas nas eleições de órgãos multilaterais, o fracasso de Doha...
Talvez fosse querer muito do triunvirato Lula, Amorim e o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia que eles acertassem logo de começo o eixo novo do Brasil no mundo. Mas mesmo se equivocados, eles formularam política e discurso que nos projetaram num mundo ávido em nos ouvir.
Inteligentemente, Dilma, antes mesmo de tomar posse, foi logo adiantando, numa entrevista ao "Washington Post", que o Brasil mudaria sua relação com o Irã e passaria a apoiar mais enfaticamente os direitos humanos.
Foi um movimento que gerou enorme boa-vontade com a chegada dela e de Patriota ao comando de nossa política externa. Mas, passados nove meses, a presidenta parece dedicar pouco tempo às questões internacionais e a discrição de Patriota, tão bem-vinda após Amorim, hoje parece mais inapetência.
Assim, a política externa atual é a doutrina Lula desidratada. Tirando o suposto distanciamento de Teerã, até agora mais retórico que prático (Dilma,  recusou-se a receber a dissidente iraniana e Prêmio Nobel da Paz Shirin Ebadi), o Brasil segue cegamente apoiando alguns dos piores ditadores do planeta.
É o que vemos no Oriente Médio, no abraço que demos nos sanguinários ditadores líbio, Muamar Gaddafi, e sírio, Bashar Assad.
Agora corremos atrás do tempo perdido na Líbia enviando missão do Itamaraty para falar com os rebeldes, que nos recebem friamente.
Na Síria, o apoio do Brasil é usado como propaganda interna, como sinal de simpatia brasileira ao regime, enquanto usa Marinha, Exército, Aeronáutica, polícia, milícias e serviço secreto para massacrar a revolta popular.
A crise econômica do Hemisfério Norte e a emergência dos países emergentes significam uma inédita redistribuição de poder do Norte para o Sul. É um momento crucial para a política externa, que no Brasil sempre foi segundo escalão e até por isso despolitizada do ponto de vista partidário.
O Brasil e o mundo mudaram tanto que é preciso fortalecer e repensar a política externa.
O reducionismo que alinhou o Brasil com o Sul era ideológico sob Lula e agora é inercial. Somos o grande emergente democrático, capitalista, ocidental, cristão, pacífico, ambientalista. Temos atributos que tornam a ponte ideal entre o Norte e Sul, entre ricos e pobres, uma posição muito melhor que a atual.
Temos diante de nós momento inédito de projeção e afirmação global do país. A Copa do Mundo em três anos e as Olimpíadas dois anos depois são os eventos mais populares do planeta e por isso as maiores oportunidades para fazermos política externa em nosso próprio território, apresentarmos o novo Brasil para as massas mundiais.
Mas Brasília parece mais preocupada em construir estradas e estádios do que em construir idéias. E as idéias são muito mais valiosas (e baratas).
Sérgio Malbergier é jornalista. - enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros.

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